30/09/2022 às 16h12min - Atualizada em 01/10/2022 às 00h01min

Mais compromissos, menos mentiras

SALA DA NOTÍCIA Vervi Assessoria

 

Samuel Hanan*

Em fevereiro de 2013, o The New York Times, um dos jornais mais influentes do mundo, publicou uma reportagem mostrando como o Brasil criou uma casta do funcionalismo público, possibilitando que muitos enriqueçam às custas do Estado.

“Sindicatos poderosos de certas classes de funcionários públicos, fortes proteções legais para os servidores do governo, um setor público inchado que tem criado muitos novos empregos bem-remunerados, e generosos benefícios, tudo isso torna o setor público brasileiro um cobiçado baluarte de privilégio”, dizia a reportagem.

Enumerando uma série de exemplos, o jornal acrescentava que “enquanto os servidores públicos na Europa e nos Estados Unidos estão tendo os salários reduzidos ou sendo demitidos, alguns funcionários públicos no Brasil estão recebendo salários e benefícios que deixam seus pares nos países desenvolvidos bem atrás”.

O NYT analisava, ainda, que em contraste com “bolsões de excelência” no funcionalismo, “serviços como educação e tratamento de esgoto permanecem lastimáveis”, enquanto o governo brasileiro “financia confortavelmente a si próprio”, conforme reproduziu a Revista Exame, que repercutiu a matéria.

É desolador constatar que, passados quase 10 anos, nada foi feito para reverter essa situação. Pelo contrário: continuamos a ver novas iniciativas de ampliação dos privilégios. Um exemplo é a Emenda Constitucional nº 122, de 17 de maio de 2022, que aumentou de 65 para 70 anos a idade máxima para indicações e ingresso nos Tribunais Superiores (STF, STJ e TRFs). Como a legislação prevê a aposentadoria compulsória no serviço público aos 75 anos de idade, significa que alguns poderão se aposentar com vantajosa remuneração, trabalhando apenas cinco anos nos tribunais, enquanto o restante dos mortais brasileiros, vinculados à CLT, se aposenta após 35 ou 40 anos de trabalho com o teto de R$ 7.087,22, fixado pelo INSS.

Alguém de bem já aconselhou que quem quiser ficar rico que passe longe da vida pública. No Brasil de hoje, entretanto, pratica-se o oposto. Muitos ingressam na vida pública buscando o enriquecimento fácil. Em pouco tempo, passam a ostentar padrão de

vida incompatível com a remuneração dos cargos que ocupam, mas permanecem incólumes apesar dos evidentes sinais exteriores de riqueza.

Este é um país em que todos são iguais perante a Lei somente na letra fria da Constituição, despudoramente desrespeitada. Outro exemplo é o instituto do foro privilegiado, estendido a mais de 55.000 ocupantes de cargos públicos, excrecência nacional porque sua abrangência não encontra similaridade em nenhum outro país do mundo. Só o Brasil tem mais de 55.000 “monarcas”, todos beneficiados por um instituto legal que funciona como fábrica de corrupção e de impunidade.

O Brasil está doente faz tempo e, no entanto, a maioria de nossa classe política prefere ignorar essa realidade. Não é possível que o País continue comprometendo 83,54% da arrecadação tributária dos três entres federativos (União, Estados e Municípios) com os gastos referentes a servidores (34,24%), déficits previdenciários (15,20%, incluindo INSS e servidores públicos) e serviços da dívida pública (34,10%). Tudo isso junto representa 27,57% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, e apesar disso não se remunera condignamente os profissionais da educação, da saúde e da segurança pública.

Para piorar, candidatos à Presidência da República anunciaram que pretender alterar a lei do teto de gastos – já descumprida -, acabando com o controle sobre essas despesas. Até quando vamos continuar ignorando que as origens dos problemas do Brasil não são econômicas, mas sim de natureza ética, moral e comportamental, com total ausência de compromisso com a verdade?

As autênticas raízes de nossas mazelas não são discutidas e, agora, no período eleitoral, desperdiça-se rica oportunidade para a abordagem séria e profunda da questão. Como sempre, repetem-se as mesmas condutas. Os exemplos são muitos, como o aumento do Auxílio Brasil (necessário, mas não suficiente) e a implantação do Vale-Gás, do Vale-Taxista e do Vale-Caminhoneiro. Vale tudo pelo voto em outubro.

É preciso substituir o discurso assistencialista pelo compromisso com a adoção de medidas efetivas visando à correção das injustiças e desigualdades que se perpetuam no País. A começar pela correção da

tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, cuja defasagem gera aumento da já pesada carga tributária sobre os assalariados e aposentados.

De acordo com o Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), quem recebe hoje remuneração mensal de R$ 5.000,00 paga por mês R$ 505,64 de Imposto de Renda. A eliminação da defasagem reduziria o valor do IR para apenas R$ 24,73 mensais. Eis um tema que merece estar na pauta de qualquer postulante à Presidência.

Além disso, o País está cansado de assistir à aprovação de emendas constitucionais voltadas essencialmente para ampliar gastanças irresponsáveis e benefícios aos privilegiados. Mais importante e urgente seria mudar a Constituição para tornar inelegível o governante que gerar déficit primário ou conceder renúncia fiscal setorial sem lei autorizativa. Isso porque o Brasil hoje abre mão de 4% do PIB – o equivalente a 12,12% do total dos tributos arrecadados – por meio de renúncias fiscais altamente questionáveis porque são concedidas sem prazo definido e sem transparência, em nada contribuindo verdadeiramente para reduzir as desigualdades regionais, seu escopo original.

Se o Brasil quer se tornar uma nação mais justa, precisa rever os institutos do foro privilegiado e da reeleição para cargos executivos, e a proibição da prisão mesmo após condenação em decisão colegiada em segunda instância, instrumentos de corrupção e impunidade, autênticos entraves ao desenvolvimento necessário para melhorar a vida do cidadão brasileiro.

Somos um povo cansado de falsas promessas e ações inócuas ou motivadas por interesses nada republicanos. O País poderia ser bem diferente se os debates eleitorais na televisão tivessem os candidatos submetidos ao teste do polígrafo. Como se sabe, esse aparelho emite um sinal sonoro a cada mentira detectada. Dessa forma, a cada debate certamente teríamos um apitaço muito mais barulhento que os panelaços das varandas e janelas. Seria revelador e ajudaria muito o eleitor na definição de seu voto e de nosso futuro.

**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site:https://samuelhanan.com.br


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