06/01/2022 às 08h48min - Atualizada em 10/01/2022 às 00h01min

É preciso combater o gigantismo da máquina pública

*Samuel Hanan

SALA DA NOTÍCIA Vervi Assessoria

Voltou à pauta, no Congresso Nacional, a proposta de criação do estado do Tapajós, a partir da divisão do estado do Pará, objeto de projeto de lei em discussão na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado. A ideia não é nova – já foi rejeitada pela população paraense em plebiscito realizado em 2011 – e remete a uma discussão maior: a questão do gigantismo da máquina pública brasileira.

 Segundo a proposta do senador Siqueira Campos (DEM-TO), o novo estado do Tapajós ocuparia 43% do atual território do Pará, cerca de 538 mil km², e teria 23 municípios, onde vivem hoje cerca de 1,05 milhão de habitantes. O Produto Interno Bruto da região é de R$ 18 bilhões, segundo dados de 2018.

 Os defensores do projeto defendem que a população da região do novo estado não é beneficiada pela pujança econômica do Pará e precisa ser melhor atendida. É uma pretensão legítima, mas pouco se fala do custo dessa medida. O estado do Tapajós teria 3 senadores, 8 deputados federais e 24 deputados estaduais. Isso significa a criação de uma Assembleia Legislativa, com todas as despesas inerentes ao órgão. No Executivo, haveria um governador, um vice-governador, cerca de 20 Secretarias de Estado – com seus titulares, adjuntos, chefes de Gabinete e assessores. Demandaria, ainda, a criação de Departamentos, Polícia Militar, Polícia Civil, estatais, autarquias e tantos outros órgãos estaduais, além de Tribunal de Contas do Estado, Ministério Público Estadual, Justiça Estadual e postos da Justiça Federal.

 É imensa a estrutura necessária para a criação de um novo estado. Prédios, funcionalismo, veículos oficiais, mobiliário, maquinário, equipamentos, redes lógicas, insumos, combustível, consumo de água, energia elétrica, telefone e internet, eis uma nova máquina pública para consumir os recursos advindos dos impostos pagos pela população.  Matematicamente falando, em uma fração em que o numerador (as receitas tributárias) permanece igual e o denominador é aumentado (mais estados e maiores custos da máquina pública), temos como consequência inexorável menor quociente (serviços à população).

Resultado que não interessa ao brasileiro.  Levar adiante a proposta de criação de mais um estado significa darmos outro passo na direção errada. Basta tomarmos como exemplo a farra da criação de municípios ocorrida após a promulgação da Constituição de 1988. Quando a Constituição Cidadã entrou em vigor, o Brasil tinha 4.128 municípios. No ano 2000, portanto apenas 12 anos depois, esse número passou para 5.507 municípios. E hoje temos 5.570. Assistimos, inertes, à germinação de máquinas públicas caras, quase sempre ineficientes, e sem capacidade de se auto-sustentar. É simples: 66,7% dos municípios brasileiros têm população inferior a 8.400 habitantes e, desses, a maioria é dependente de repasses do governo federal (FPM: IR e IPI) e dos governos estaduais (ICMS e IPVA). Apenas 71 cidades são responsáveis por 50% do PIB o que significa, em leitura inversa,que 5.499 cidades ficam com os 50% restantes.

A realidade é que o dinheiro do cidadão acaba sendo utilizado para custear essa anomalia. O Atlas dos Estados Brasileiros 2018, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que o Brasil gasta 13,4% do PIB nacional com os servidores públicos. Desse total, os estados respondem por 5,31% do PIB (outros 4,74% são dos municípios e 3,35%, da União). É um volume enorme de recursos. Tomando-se por base o PIB 2020, de R$ 7,4 trilhões, temos R$ 991,60 bilhões comprometidos somente com as despesas relativas ao funcionalismo público.

Outro dado alarmante: no período entre 2003 a 2015, o custo da máquina pública cresceu 125% em valores reais – já deflacionados pelo IPCA -, enquanto a variação do PIB foi de apenas 44,65%. Boa parte disso é resultado de aumentos salariais muito acima da inflação, sem nenhuma correlação sobre produtividade e crescimento do PIB, penduricalhos para burlar o teto salarial de R$ 39,2 mil/mês, pagamentos de diárias, indenizações, gratificações e auxílios diversos.

Em outra ponta, professores, médicos e outros profissionais da saúde e agentes da segurança pública continuam tendo remuneração não condizente com a relevância dos serviços que prestam.

A distorção é inaceitável. Em 2019, segundo os números oficiais, os gastos com a máquina pública, proporcionalmente ao PIB nacional, superaram os investimentos em educação (6%), saúde (3,9%) e saneamento (0,21%). Tais despesas somaram 10,1% do PIB, bem menos que os 13,4% consumidos com a máquina administrativa.

Trata-se de um modelo equivocado e nefasto à nação. Os tributos precisam ser destinados para as atividades-fim (Educação, Saúde, Segurança, Habitação e Infraestrutura) e não para atividades-meio (custeio das máquinas administrativas).

É necessário olharmos o País sob outra ótica. A recorrente justificativa dos governos de que sofremos com a escassez de recursos financeiros não pode mais ser aceita, porque é irreal. O problema do Brasil não é a falta de recursos, mas o gigantismo do Estado, que não cabe mais no PIB nacional. O Estado arrecada muito, porém gasta mal e esta é uma das razões para o cenário nacional de serviços públicos escassos, de má qualidade, acessíveis apenas a uma parte da população.

Reduzir o tamanho do Estado, combater a corrupção, acabar com os privilégios, reduzir as desigualdades sociais e regionais, promover as reformas política e tributária, estabelecer um plano de metas e refundar o princípio federativo são as verdadeiras necessidades do Brasil.

Qualquer iniciativa contrária a essas premissas não contribuirá para o País reencontrar o rumo do desenvolvimento e melhorar a vida dos cidadãos. Toda a população merece ser bem atendida pelo Estado, independentemente da região onde viva. Entretanto, aumentar despesas não é o melhor caminho para se atingir esse objetivo. Colocar mais uma estrela na bandeira nacional está muito longe das prioridades nacionais.

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 *Samuel Hanan é engenheiro, com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças; empresário e ex-vice-governador do Amazonas (1999-2002)


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